EUA: Hershey's explora participantes de intercâmbio cultural

Para a Hershey’s, intercâmbio dito "cultural" é fonte de mão de obra barata
Por Stephanie Luce

Cerca de 300 estudantes estrangeiros entraram em greve a 17 de agosto em uma unidade do fabricante de chocolates Hershey’s, na cidade de mesmo nome da Pensilvânia onde a empresa foi fundada, em 1876.

Os jovens, a maioria com entre 18 e 19 anos de idade, pagaram de US$ 3 mil a US$ 6 mil para viajar aos Estados Unidos como participantes de um programa de intercâmbio cultural, recebendo os chamados vistos J-1 (autorizações especiais de entrada nos EUA).

Mas, ao invés de terem aulas de inglês ou de conhecerem o país, a empresa subcontratada pela Hershey’s para administrar a fábrica os obrigou a ficar isolados em uma área remota, trabalhando no turno da noite em condições muitas vezes perigosas, além de sofrerem descontos exorbitantes em seus já minguados contracheques.

Dois dias após a greve, visitei Hershey a convite da Aliança Nacional de Trabalhadores Visitantes (AGN), como parte de uma delegação formada por especialistas em direitos trabalhistas e humanos. Entrevistamos estudantes, visitamos um dos apartamentos onde estão alojados e conversamos com sindicalistas locais, além de membros da AGN.

Nos últimos dez anos, estive em vários países e me deparei com trabalhadores vivendo com baixos salários e condições de trabalho degradantes. Mas ainda estou chocada com o que vi em Hershey. Cada estudante que entrevistamos levantava um aspecto diferente da situação a que foram submetidos.

Para uma jovem chinesa, a maior injustiça foi ter sido obrigada a compartilhar um diminuto apartamento de um quarto com outras quatro pessoas: mais duas chinesas e um rapaz e uma moça da Polônia.

Os estudantes foram alojados sem que fosse levado em conta o sexo, idioma ou mesmo turno de trabalho: assim, alguns que trabalhavam de madrugada tinham de dormir na sala, enquanto outros preparavam o jantar na cozinha, ao lado de suas camas.

Para mim, o mais revoltante é que cada um deles tinha de pagar US$ 400 por mês para viver nessas condições, proporcionando à companhia $ 2.000 descontados diretamente de seus contracheques. O aluguel de um apartamento de dimensões semelhantes na região fica em torno de US$ 600 mensais.

Outros estudantes denunciaram as péssimas condições de trabalho. Eles foram obrigados a trabalhar cada vez mais e mais rápido, carregando caixas de chocolates com mais de 20 quilos e empilhando engradados em alturas superiores às suas cabeças – numa média de 60 a 70 por dia.

O trabalho era muitas vezes perigoso. Uma estudante disse ter desmaiado, devido ao esforço; outra relatou que tinha de se esquivar de empilhadeiras enquanto colocava as caixas de chocolates em embalagens de plástico.

Alguns deles tentaram falar com a gerência da fábrica e com a agência responsável pelo programa (Council on Educational Travel/EUA) sobre a possibilidade de se mudarem para locais mais baratos ou conseguirem melhores empregos, mas foram repreendidos e até mesmo ameaçados de deportação.

Intercâmbio cultural: forma de obter mão de obra barata
 
O programa de Viagens para Trabalho de Verão foi criado durante a Guerra Fria como meio de promover o modo de vida estadunidense entre estudantes estrangeiros. Atualmente, envolve cerca de 130 mil alunos de 2º grau ou superior, destinando-os a ocupações mal remuneradas, além de mais 200 mil com vistos J-1 concedidos para estágios ou treinamento profissional.

Ao contrário de outros programas de trabalhadores-convidados, as empresas que recorrem aos J-1 não precisam anunciar previamente as vagas – que só podem ser ocupadas por estrangeiros se nenhum estadunidense se candidatar a elas. Além disso, não há limite para o número de vistos J-1 emitidos.

Quando os estudantes começaram a se organizar, lhes disseram para não entrar em contato com a NGA, e alguns foram alertados que as greves são ilegais nos Estados Unidos. Outros ouviram a ameaça de que, se protestassem, jamais seriam autorizados a entrar novamente no país.

A empresa subcontratada informou que não mais usará os J-1 para preencher postos de trabalho, e a Hershey’s ofereceu aos estudantes uma semana de férias remuneradas, para que pudessem viajar. Mas eles afirmam que essas concessões não são suficientes, reivindicando que as vagas sejam ocupadas por trabalhadores locais, com salários dignos, e que o fabricante de chocolates concorde em pôr fim à exploração dos estudantes-trabalhadores. A empresa não respondeu a essas exigências.

“Algumas das tarefas destinadas aos estudantes eram antes desempenhadas por trabalhadores sindicalizados”, disse Diane Carroll, secretária-tesoureira do Sindicato dos Trabalhadores de Confeitaria (BCTGM). “Mas a Hershey’s passou a recorrer a subcontratadas para dirigir a fábrica, evitando os sindicatos e mantendo uma inesgotável suprimento de estudantes-trabalhadores”.

Os departamentos de Estado e do Trabalho, assim como a Administração de Saúde e Segurança Ocupacional (OSHA), iniciaram uma investigação sobre o caso. Alguns estudantes retornaram à fábrica, mas insistem em manter um ritmo de trabalho adequado e estão prontos para registrar e denunciar qualquer nova violação.

Um grupo de 30 estudantes, a convite da NGA, viajará pelos Estados Unidos para falar sobre o que ocorreu na Hershey’s e participar de atos em diversas entidades sindicais e organizações como a Estudantes Unidos contra a Exploração (USAS) e Empregos com Justiça, entre outras.

Stephanie Luce é professora do Instituto Murphy da Universidade Municipal de Nova York 


Tradução: Dilair Aguiar

Fonte: Labour Notes (http://labornotes.org/print/2011/09/hershey-still-silent-after-student-guestworkers-strike)

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