Guadalupe: Greve geral conquista grande vitória

Uma greve geral mantida durante seis semanas na ilha caribenha de Guadalupe foi encerrada dia 4 de março com um acordo entre sindicatos e o governo. O acordo atende as reivindicações de um reajuste de 200 euros mensais para os salários mais baixos e congela os preços de dezenas de produtos, para reduzir o custo de vida. “Fizemos grandes avanços em muitas áreas e várias coisas serão acertadas nas próximas semanas,” comentou um dirigente sindical.






5 de março de 2009


E AGORA, GUADALUPE?


BBCCaribbean.com



Dirigentes sindicais de Guadalupe concordaram em encerrar uma greve geral de 44 dias, mas como curar a curto prazo as feridas deixadas pelo conflito?



A Liga contra a Exploração (LKP), formada por sindicatos e organizações de esquerda, assinou o acordo com representantes do governo francês e das empresas de Guadalupe, reajustando os salários e baixando os preços de produtos de primeira necessidade.

A greve expôs a tensão subjacente entre os trabalhadores da ilha e uma minoria branca e rica, parte dela descendente de colonos do período escravista. E também levou o presidente francês Nicholas Sarkozy a ordenar uma revisão de como os territórios ultramarinos da França estão sendo administrados.

Para o já impopular Sarkozy, a agitação caribenha representa um sério desafio. A França está acostumada a greves e inquietações étnicas em seu território europeu, mas os carros incendiados e lojas depredadas em suas ilhas mais remotas estão inflamando as preocupações sobre outros departamentos ultramarinos.



ELITE RICA



A greve levantou incômodas questões sobre raça, os esforços da França para se definir diante do século 21 e a herança deixada por seu antes poderoso império, que engloba territórios desde o norte do Atlântico ao Caribe até o sul do Pacífico.

Embora faça oficialmente parte da França e da União Européia, Guadalupe é um dos mais pobres cantos do território nacional francês, com 23% de desempregados, mais do dobro da taxa continental, e um elevado custo de vida.

Alguns moradores da ilha afirmam que a elite branca e rica estava manipulando importações e preços. Dirigentes do setor privado negam as ações especulativas, advertindo que as reivindicações salariais da LKP terão como resultado mais demissões em uma região já muito dependente de subsídios estatais e de empregos no setor público.

O movimento paralisou primeiro Guadalupe e depois a Martinica e, em várias ocasiões, houve explosões de violência. Há duas semanas, o dirigente sindical Jacques Bino foi morto a tiros durante um conflito em uma barricada em Pointe-a-Pitre, principal cidade da ilha.

Centenas de policiais foram enviados da França nas últimas semanas para dar apoio às forças de segurança locais e ajudar a restabelecer a ordem. Dezenas de participantes dos protestos foram detidos desde o início da greve.



AS CONVERSAÇÕES PROSSEGUEM



O acordo de 4 de março cobre uma extensa pauta, como o preço do pão, a contratação de professores e a redução das tarifas aéreas. O ponto mais importante foi o reajuste salarial de 200 euros mensais para os trabalhadores de baixa renda.

Os preços em Guadalupe e Martinica são em geral mais elevados, e os salários mais baixos, em comparação à França continental. O desemprego é duas vezes mais alto, e o PIB por habitante corresponde à metade.

As partes envolvidas continuarão as negociações sobre as demais exigências dos sindicatos – incluindo a redução dos preços de 54 bens essenciais. As negociações também prosseguem na Martinica, palco de uma greve semelhante.

O prefeito de Guadalupe Nicolas Desforges, o mais alto representante do Estado francês, qualificou o acordo de um “novo ponto de partida” para a ilha. “Este é um momento importante,” afirmou. “(Guadalupe) deve voltar a trabalhar amanhã. É preciso recuperar o atraso”.

“Deve-se trabalhar duas vezes mais porque, para que se pague os 200 euros adicionais, é necessário empresas para pagar essa quantia e, para pagá-la, elas precisam prosperar e, para que prosperem, eles devem trabalhar”.



EXIGÊNCIAS ‘JUSTIFICADAS’



O líder da LKP, Elie Domota, alertou porém que os sindicatos poderão retomar a paralisação se o governo ou as empresas voltarem atrás em suas promessas. “Isto significa que retornaremos ao trabalho, mas continuaremos mobilizados pelos próximos dias e semanas”, assegurou.

Os problemas nas ilhas também repercutiram entre a opinião pública da França continental, de forma desfavorável a Sarkozy. Em recente pesquisa feita pela BVA/Orange, 78% dos entrevistados consideraram “justificadas” as revindicações dos grevistas de Guadalupe.



E QUANTO AO FUTURO?



“Além das negociações de praxe, Paris terá de enfrentar uma questão muito mais complexa, que é a substancial perda de confiança – talvez irreversível – que está ocorrendo nos territórios ultramarinos”, observou Romain Le Cour Grandmaison em uma análise feita para o Conselho de Assuntos Hemisféricos, entidade sediada em Washington.

“A população de Guadalupe se sente profundamente insultada e está à espera de gestos e medidas muito fortes”, ressaltou.

Especialistas também acreditam que as alternativas para os problemas caribenhos repercutirão nos núcleos habitacionais periféricos da França continental, onde a discriminação e o desemprego levaram às revoltas de 2005, promovidas em grande parte por jovens negros e árabes.

“Como a França lidará – ou não saberá lidar, ou lidará de maneira errada – com sua herança colonial, é a questão que afetará as periferias da França”, disse Michel Giraud, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Científicas em Paris.



Tradução: Dilair Aguiar



Fonte: Conselho sobre Assuntos Hemisféricos (http://www.coha.org/2009/03/what-next-for-guadeloupe/)




Nenhum comentário: