Irlanda: "Há um modo melhor e mais justo"



Plano para a Recuperação Nacional

Congresso Sindical Irlandês

Fevereiro de 2009



Introdução

O Congresso tem consistentemente defendido a adoção de um Pacto de Solidariedade Social como um caminho melhor e mais justo para a recuperação nacional.

A 28 de janeiro, o Congresso, Governo e empregadores acertaram a minuta de um Acordo Estrutural, que serviria de base a discussões mais detalhadas a respeito de um Plano de Recuperação Nacional.

O Acordo Estrutural comprometia todas as partes com um plano no qual “todos os setores da sociedade contribuam de acordo com sua capacidade (...) e os mais vulneráveis, de baixos salários, desempregados e pensionistas da previdência social sejam preservados dos piores efeitos da recessão”.

Mas o Governo não honrou o compromisso, cuja meta era nada menos que dar uma resposta coerente a todas as maiores questões enfrentadas pelas famílias trabalhadoras.

Ao invés, voltou-se a um enfoque estreito nas finanças públicas – sem buscar uma contribuição por parte dos ricos. Seu objetivo é alcançar uma desvalorização competitiva dos salários, à medida que não estamos mais em posição de desvalorizar a moeda. Ironicamente, uma desvalorização cambial seria mais eqüitativa, pois reduziria os padrões de vida de todos, e não somente dos trabalhadores.

O Congresso permanece comprometido com o conceito de um Pacto de Solidariedade Social e aqui apresentamos 10 iniciativas essenciais que, acreditamos, devem fazer parte de tal plano ou acordo.

Nossa opção preferencial seria a de nos engajarmos com todas as demais partes nestas iniciativas, mas, se não for possível, iniciaremos uma grande campanha para alcançar uma mudança na política, começando com manifestações nacionais a 21 de fevereiro.


1. Protegendo Empregos & Detendo o Desemprego


Nosso sistema de previdência social deve ser radicalmente alterado e integrado com capacitação, educação e treinamento. Em vários países europeus, trabalhadores desempregados têm garantidos 80% de seus salários durante dois anos, sob a condição de participarem de programas de treinamento e recapacitação. Os empregadores são também auxiliados a identificar alternativas às demissões, como a redução da jornada semanal de trabalho e outros arranjos.

Um esquema semelhante, adaptado às condições irlandesas, podia ser financiado através da combinação dos presentes gastos em benefícios, com subsídios adicionais por parte do Programa de Capital Público (PCP). Esta abordagem seria complementada pela reorientação das prioridades do PCP para ações de preservação de empregos e de trabalho intensivo.


2. O Sistema Bancário & o Interesse Público


O Programa de Recapitalização dos Bancos envolve a entrega de € 7 bilhões de recursos públicos, do Fundo de Reserva de Pensões, para as mesmas pessoas que comandaram o colapso. A recusa delas em abrir mão de seus imensos salários e gratificações constitui uma eloqüente mostra de seu desprezo pelos contribuintes. Esses € 7 bilhões não devem desaparecer pelo ralo e uma única consideração – o interesse público – deve pautar as decisões do Governo neste assunto crucial. E, levando em consideração tudo o que emergiu a respeito da conduta dos altos executivos dos bancos, exigimos uma completa revisão do Gerenciamento Corporativo e indicações claras de que a má administração será punida. O apoio ao sistema bancário deveria ser condicionado por:


1. Controle público, através da Recapitalização ou Nacionalização;


2. Obrigação, estabelecida por lei, de proporcionar apoio à inovação e desenvolvimento na economia, junto a crédito e apoio à capitalização de negócios provadamente críticos para a preservação ou geração de empregos;


3. Troca de todos os altos executivos responsáveis pela crise, nos bancos relevantes;


4. Corte da remuneração de todas as origens para os primeiros escalões;


5. Moratória de três anos nos despejos residenciais, quando os moradores não possam pagar devido a cortes ou demissões não justificadas.


3. Competitividade


Além da ausência de um sistema bancário que funcione corretamente, a ameaça mais imediata à nossa competitividade vem da debilidade da moeda, não dos custos salariais. Ela é responsável por dois terços da deterioração dos últimos meses.

As tarifas da energia devem ser reduzidas, e o único impedimento para isto é o absurdo regime regulatório, que empurrou os preços para cima de forma a garantir lucro às empresas privadas do setor. Somado às falhas em nossa infra-estrutura de transmissão – subseqüentes à privatização da Eircom –, isto demonstra a crítica importância da intervenção estratégica do Estado na economia.

O custo de vida na Irlanda está cerca de 20% acima da média européia. O não repasse dos ganhos produzidos pelo enfraquecimento da moeda e as elevadas comissões profissionais constituem um injustificável dreno na competitividade.


4. O Acordo de Pagamentos


O Congresso continua comprometido com o Acordo de Parceria Social. O Governo, a CIF (Construction Industry Federation – Federação da Indústria da Construção) e o IBEC (Irish Business And Employers Confederation – Confederação de Empregadores e Negócios da Irlanda), na prática, renegam agora o acordo de pagamentos que negociaram em setembro de 2008. Ainda assim, um significativo número de companhias do setor privado pagou a primeira fase do acordo, e outras se comprometeram a fazê-lo. Nenhuma razão plausível foi dada para explicar porquê a cláusula de “incapacidade de pagamento” não foi utilizada.

Isto constitui nada menos que uma campanha contra os salários, como alternativa a uma desvalorização cambial, para promover a competitividade. Mas, pelo estado da economia global, é pouco provável que a desvalorização salarial tenha muito impacto sobre as exportações, embora esta deprima seriamente a demanda interna.

Além disso, nenhuma política de renda terá credibilidade a menos que seja reduzida a remuneração dos altos executivos empresariais, como aconteceu nos EUA.


5. Justiça & Tributação


O Acordo Estrutural inclui compromissos sobre medidas de tributação justa e progressiva. Mas o Governo deve dizer o que isto significa em prática. Quanto do déficit de € 2 bilhões será coberto pelos mais ricos do país? Acreditamos que as seguintes reformas devem ser introduzidas:

1. A renda de todas as origens – capital e trabalho – deve ser tributada de forma igual;

2. Os “tax exiles” (pessoas que se transferem a outros países para evitar impostos) devem permanecer fora, caso não queiram ser tributados aqui;

3. Deduções tributárias sem retorno econômico comprovado para a sociedade devem ser extintas;

4. Um imposto sobre bens imóveis deve ser aplicado a todas as propriedades, com exceção dos imóveis de moradia;

5. A taxação sobre altos rendimentos (acima de € 100.000) deve ser incrementada significativamente;

6. Uma nova alíquota do imposto de renda, de 48%, deve ser criada para os rendimentos mais elevados;

7. Fim do projeto de reforma hospitalar, com seus generosos benefícios tributários para a iniciativa privada.


6. Restabelecendo a Confiança do Consumidor


O “boom” do setor imobiliário encorajou níveis insustentáveis de crédito e despesas. A situação se reverteu, e agora a população teme gastar. Este medo está paralisando a economia, pois as pessoas estão preocupadas com o desemprego, pensões e despejos de suas casas. Como quase metade do nosso PIB provém dos gastos do consumidor, isto tem implicações enormes. Enfraquece o nível de emprego e põe em risco a sobrevivência dos negócios. O Estado também perde receita tributária.

É imperativo que o temor da população seja tratado. As fracassadas políticas de proteção aos ricos, enquanto as famílias trabalhadoras são obrigadas a pagar pela crise, já levaram a uma retração do consumo sem paralelo em outras partes da Europa. As vendas irlandesas no varejo têm caído em uma taxa anual de 8%, em comparação à media de um a dois por cento na União Européia. Os recentes aumentos no imposto sobre valor agregado apenas exacerbaram o problema.

Até o momento, na prática a política tem sido quase exclusivamente deflacionária. Seguramente, a opção mais sensata não seria estimular a economia, ao invés de conter gastos e o crescimento? Com este fim, todas as partes devem agora voltar à mesa de negociações para definir uma resolução sobre o Acordo Nacional de Pagamentos, proporcionando à população alguma confiança a respeito do futuro.


7. A ‘Cobrança sobre Pensões’ do Serviço Público


Admitimos que existe uma crise nas finanças públicas. O Governo deve voltar ao Acordo Estrutural de 28 de janeiro. Este reconhece a necessidade de medidas radicais para colocar sob controle as finanças públicas, tendo como base que todas as partes contribuam segundo sua capacidade de fazê-lo. Enquanto isso não ocorrer, não haverá plano sustentável para a recuperação nacional.

A denominada “Cobrança sobre Pensões do Serviço Público” é um instrumento grosseiro e injusto. Da forma como está estruturada atualmente, constitui um corte direto nos pagamentos. Não leva em conta a capacidade de pagar. Ao contrário, setores de baixa renda pagam proporcionalmente mais que as faixas de rendimentos elevados. Além de se tentar reparar as finanças públicas sem onerar os mais ricos em um centavo, é também parte de uma estratégia para reduzir os salários em toda a economia.

Os trabalhadores não criaram o problema, mas contribuirão para solucioná-lo – desde que os ricos também o façam. O problema com o caminho atualmente seguido pelo Governo e entidades de empregadores é que o mais fraco sofre, enquanto o rico em nada contribui.


8. Pensões


As pensões de setor privado estão em crise e há crescentes dúvidas sobre a viabilidade a longo prazo de numerosos fundos de pensão. O Governo não pode ficar inativo e permitir que as pessoas saiam com nada, após terem trabalhado e contribuído a um fundo por até 40 anos. O caso da Waterford Crystal é exemplo disso.

O Congresso quer que o Fundo Nacional de Reserva de Pensões seja usado como um Fundo de Proteção de Pensões – tal como a legislação da EU determina que façamos. Não passou desapercebida entre a população a relutância governamental em utilizá-lo para tal propósito, ao contrário do que acontece quando se trata de amparar os bancos.

Outras inovações sugeridas pelo Congresso incluem um tipo de pensão anual com garantia estatal e a possibilidade de que os fundos de pensão privados entreguem voluntariamente seus ativos ao Estado, em troca de um certo nível de garantias às pensões.


9. Legislação de Direitos Trabalhistas


Em A caminho de 2016, o Governo se comprometeu a sancionar um pacote de leis para proteger os direitos de todos os trabalhadores, no contexto da ampliação da UE. O objetivo é interromper a exploração dos trabalhadores, não importando a nacionalidade. Os recentes acontecimentos no Reino Unido demonstram a necessidade de que esta legislação seja rapidamente promulgada.


10. Títulos de Recuperação Nacional


É óbvio que a população está ansiosa para contribuir à recuperação nacional. Esta disposição poderia ser canalizada positivamente através da criação de Títulos de Recuperação Nacional. Embora tenhamos um volume suficiente de empréstimos para o futuro imediato, o Estado terá presumivelmente de captar mais recursos no próximo ano. Com o aumento do custo dos empréstimos, os Títulos de Recuperação Nacional domésticos poderiam economizar muito dinheiro ao Tesouro Público. Poderiam também ser direcionados a setores específicos, como a construção de escolas ou o transporte público, para que a população possa ver resultados tangíveis.


Tradução: Dilair Aguiar



Fonte: Congresso Sindical Irlandês (http://www.ictu.ie/publications/fulllist/there_is_a_better_fairer_waydoc/)




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