EUA: Republic Windows - como foi a ocupação


Por Leah Fried


Cinco de dezembro era para ser o último dia de trabalho na Republic Windows and Doors, fábrica de janelas e portas de vidro, em Chicago. Mas os gerentes logo perceberam que os trabalhadores não sairiam como cordeiros: eles votaram pela ocupação das instalações.

Filiados ao Trabalhadores Eletricitários Unidos (UE), os operários planejaram invadir as instalações e se acorrentarem às máquinas, mesmo sob o risco de prisão. Este texto é a história de sua luta.

A ocupação, com a qual os trabalhadores conquistaram não apenas o pagamento de indenizações como a admiração de militantes de todo o mundo, não ocorreu em um passe de mágica. Foi conseqüência de anos de luta para construir um sindicato democrático e combativo, capaz de enfrentar os patrões.


ORGANIZANDO AS BASES


No início de 2004, os trabalhadores da Republic Windows estavam submetidos a um “sindicato” de gangsters, que mais representava os patrões. Chicago é um dos últimos redutos deste “sindicalismo” que ajuda as empresas a explorar os empregados.

Os operários estavam desde 2001 com o salário congelado em US$ 8 a hora e viam centenas de colegas serem demitidos sem nenhuma justificativa. Discriminação, tratamento injusto e salários irrisórios eram o resultado da ação de seu antigo sindicato. Foi então que decidiram promover uma mudança.

Primeiro entraram em contato com vários centros de trabalhadores, que organizaram uma reunião com representantes do UE. Os operários da Republic Windows ficaram impressionados com seus antecedentes de sindicalismo democrático e agressivo. Em novembro de 2004, realizaram uma eleição, aderiram ao UE e partiram para conquistar o melhor contrato de trabalho que já haviam conseguido.

Na briga pelo contrato de 2005, os trabalhadores passaram a usar regularmente adesivos com suas reivindicações e bottons do UE. Fizeram passeatas até os escritórios administrativos, organizaram piquetes e votaram em favor de uma paralisação, se necessário. O contrato foi anunciado na véspera da data prevista para a greve, com um reajuste imediato de US$ 1,75, além de benefícios e melhorias nas condições de trabalho. Esta luta vitoriosa estabeleceu o padrão dos anos que viriam a seguir.

A unidade, contudo, não foi automática. O sindicalismo democrático não existe sem algumas dores próprias ao crescimento.

Os trabalhadores da Republic Windows são uma mão-de-obra diversificada: 80% latinos, 20% afro-americanos, 25% mulheres. Eleições duramente disputadas para organizadores e delegados sindicais, intensos debates, dissensões decorrentes de raça e gênero – tudo isso ocorreu na fábrica.

Os sindicalistas tiveram de trabalhar muito para construir a unidade entre latinos e afro-americanos, superar o facciosismo, assim como aceitar a derrota em alguns debates, para criar um ambiente no qual todos os trabalhadores se sentissem parte.

Alguns líderes da ocupação se opuseram a outros durante as eleições sindicais – e cada qual tinha seu próprio grupo de seguidores. Mas, no fim, os trabalhadores se mostraram capazes de se uir todas as vezes que necessitaram enfrentar os patrões.

O UE também se dedicou a construir alianças com a comunidade e o movimento trabalhista. Anos de trabalho para forjar vínculos com centros de trabalhadores, grupos religiosos, entidades comunitárias e organizações de defesa dos direitos dos imigrantes estabeleceram as bases para a solidariedade.

A ininterrupta presença de militantes de base em atividades solidárias, como a Empregos com Justiça, e em manifestações pelos direitos dos imigrantes em Chicago, contribuiram para que as lideranças locais conhecessem melhor o UE. E sua constante participação em ações políticas nacionais também fez com que o sindicato ficasse conhecido entre os legisladores.


PLANEJANDO OS PASSOS SEGUINTES


O UE começou a planejar a ocupação da fábrica em novembro de 2008, quando as máquinas começaram a “desaparecer” das instalações. Os dirigentes sindicais concluíram que deviam se preparar para as piores possibilidades.

Compramos correntes com cadeados e organizamos um grupo disposto a atos de desobediência civil, caso necessário, mesmo sob a ameaça de prisão. Os trabalhadores entendiam que precisavam impedir que os equipamentos fossem retirados da fábrica.

Enquanto os operários realizavam várias reuniões para discutir o que poderia acontecer e se preparar para a luta, desenvolvemos uma estratégia focada no Bank of America. O banco, que obteve US$ 25 bilhões dos fundos de resgate, determinaria a continuidade dos créditos para a Republic Windows.

O UE pediu aos aliados que intensificassem a pressão pública sobre o banco, incluindo um grande piquete diante dos escritórios da instituição em Chicago, dois dias antes da ocupação. Membros do Congresso, como o representante Luis Gutierrez, pressionaram o banco a manter negociações com o sindicato.

A ocupação foi desencadeada depois que representantes da empresa não compareceram a uma reunião com o banco e o UE. No que era para ser o último dia de trabalho, os operários decidiram por unanimidade não deixar a fábrica enquanto suas exigências não fossem atendidas: o pagamento de férias e aviso prévio de 60 dias, de acordo com a lei, mais dois meses de assistência médica.

A companhia estava a par da votação para ocupar a fábrica, sabendo que enfrentaria mais de 200 trabalhadores organizados e decididos a não abandonar as instalações sem protestos.

A gerência chamou a polícia, mas, ao mesmo tempo, nossos aliados mobilizaram centenas de pessoas para se concentrarem diante da fábrica.

Os jornalistas também se tornaram uma presença fixa. A idéia de que o mundo inteiro visse 200 trabalhadores sendo arrastados para fora da fábrica pela polícia, diante de uma multidão reunida em defesa dos operários, contribuiu muito para que a companhia decidisse não entrar em confronto com o sindicato.

A polícia deixou o local, com suas algemas guardadas. Os trabalhadores tomaram a fábrica.

Quando a notícia da ocupação se espalhou, a solidariedade começou a chegar, de sindicatos a organizações comunitárias, religiosas, de direitos dos imigrantes e direitos civis. As palavras escritas em cartazes na entrada da fábrica, as doações, as mensagens vindas do mundo inteiro foram essenciais para fortalecer ainda mais a determinação dos operários.

O mais importante, porém, era a unidade dos trabalhadores, que, apesar de suas diferenças, se ergueram e demonstraram uma força incrível.

No dia em que a ocupação começou, os sindicalistas organizaram os trabalhadores em três turnos de oito horas. Os dirigentes do UE também se dividiram em turnos (mas por um período de 20 horas diárias no total).

As regras, decididas previamente, estavam afixadas no refeitório da fábrica: nada de álcool, cigarros ou drogas. Quem não fosse do UE ou trabalhador da Republic Windows, exceto seus familiares, não estava autorizado a entrar nas oficinas.

Os comitês de boas-vindas e segurança na entrada, de limpeza, de alimentação e de vigilância – para que os equipamentos permanecessem intocados – trabalhavam em turnos de oito horas. Ao início de cada turno, todos os trabalhadores e organizadores se reuniam para saber as notícias mais recentes, designar os integrantes de cada comitê e discutir os próximos passos.

Os trabalhadores se mantinham ocupados com atos públicos e entrevistas à imprensa fora da fábrica, somados às suas responsabilidades nos comitês. Crianças acompanhavam seus pais, fazendo deveres escolares ou brincando em meio às atividades dos adultos. As doações – alimentos, cobertores e dois aparelhos de TV (um para os noticiários, outro para os canais de esportes) – eram compartilhadas igualmente por todos.

Após seis longos dias, o comitê de negociação, formado por sindicalistas da fábrica e representantes do UE, voltou com uma proposta – aceita entusiasticamente pelos trabalhadores em votação. Havíamos conquistado todas as nossas reivindicações.

Agora, estamos agindo para reabrir a fábrica, com todos os trabalhadores de volta aos seus postos. Mas sabemos que foi conquistado algo além de trabalho ou dinheiro. Inspiramos milhões a saber que o mundo é o que nós fazemos através da luta, e que podemos vencer.


Leah Fried é uma organizadora do United Electrical Workers (UE)


Tradução: Dilair Aguiar


Fonte: Labour Notes (http://labornotes.org/node/2053)

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