Egito: Aumentam os protestos de trabalhadores no Cairo. E crescem as vendas em uma barraca de falafel

Por Matt Bradley

Mesmo com desconto, preço do falafel ainda é
 alto para os manifestantes
Quando os egípcios protestam contra injustiças, em geral se manifestam na frente da Assembleia Popular, equivalente à Câmara de Deputados. E durante as concentrações diante do prédio, que às vezes se prolongam por dias, se alimentam com falafel – um bolinho de grão-de-bico – na barraca Abu Hamdy.

“Há mais deles que o habitual, porque não têm dinheiro e os salários são baixos. Então, acabamos fazendo descontos”, diz Mohammed Khalaf, o cozinheiro da barraca, falando como se estivesse num púlpito, do alto do balcão elevado, atrás de pilhas de falafel e saladas prontas.

“Todos querem falafel. É melhor que carne. Com dois deles, você pode protestar o dia inteiro”, fez questão de garantir o comerciante. Nos dois últimos meses, com centenas de manifestantes cantando, gritando, dormindo e comendo bem perto da barraca, as vendas aumentaram muito, relatou.

Os protestos cada vez mais numerosos são mais um sinal do crescente descontentamento entre os trabalhadores egípcios, muitos deles duramente atingidos pelas reformas econômicas liberalizantes adotadas pelo governo e a privatização de estatais que, historicamente, empregam o grosso da força de trabalho do país, afirmam observadores políticos.

Mas a tendência pode também refletir a maior disposição dos egípcios descontentes em levar suas vozes diretamente aos que estão no comando – mesmo que isto signifique acampar nas calçadas por semanas a fio.

Issandr al Amrani, analista político independente e autor do blog Arabist, comenta: “pode-se dizer que estamos vendo um aumento neste tipo de protesto. Nas cidades industriais mais prejudicadas, não há muita atenção da mídia. Ao protestarem diante do Parlamento, conseguem despertar o interesse”.

A insatisfação entre os trabalhadores egípcios vem se avolumando há bastante tempo, de acordo com Amrani, e recentes vitórias estimularam ainda mais as mobilizações que agora são vistas na capital egípcia.

Há dois anos, cerca de dez mil coletores de impostos acamparam durante 12 dias nas calçadas diante da Assembleia Popular – uma estratégia que os demais manifestantes vêm reproduzindo nos últimos meses – até que os parlamentares aprovaram um ajuste de 325% no piso salarial da categoria, além do direito de formar o que continua a ser o único sindicato independente do país.

No dia 21 de março, centenas de trabalhadores da antiga estatal têxtil Amonsito encerraram três semanas de protestos diante da Shura (Conselho Consultivo do Legislativo), situada a alguns quarteirões da Assembleia.

Os manifestantes conseguiram um acordo com o sindicato nacional dos têxteis para solucionar sua crítica situação, causada pelo comprador da estatal, um empresário sírio que saqueou os ativos da empresa e fugiu do país há cerca de dois anos, deixando os trabalhadores sem emprego.

“O fato de que o regime não reprimiu até agora os protestos motivou todo tipo de grupos com alguma queixa a recorrer a este método”, observou Joel Beinin, professor de história do Oriente Médio na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Beinin elaborou recentemente um relatório sobre o movimento trabalhista egípcio para o Solidarity Center, organização não-governamental dedicada aos direitos dos trabalhador com sede em Washington. “A ampla maioria dos trabalhadores não está reivindicando mudanças no regime ou democratização. Tudo está centrado em questões de sobrevivência”, disse.

Os protestos no centro do Cairo ecoam a crescente irritação dos setores distantes dos círculos do poder, opinou Ibrahim el Eissawy, professor de economia do Instituto de Planejamento Nacional. Entre 2005 e 2006, ocorreram pouco mais de 200 protestos de trabalhadores no país, indicou o professor. No ano seguinte, o número subiu para 600; em 2009, o total se ampliou a 700 ações de protesto.

“Os motivos são bem conhecidos, estão na maioria das vezes associados à deterioração das condições econômicas dos trabalhadores, funcionários públicos, empregados do setor privado e mesmo camponeses”, salientou Eissawy. “São as consequências nefastas das políticas econômicas neoliberais, sofridas de forma crescente pelas classes mais baixas, as classes trabalhadoras, funcionários públicos e empregados do setor privado. São eles que sentem o golpe”.

O governo egípcio, por sua vez, alega que suas políticas econômicas liberais – que levaram a um forte decréscimo nos investimentos públicos e a uma ampla privatização das empresas estatais – estão funcionando, e ressalta que a prova disso são os números. O crescimento econômico manteve-se em torno de inéditos 7% em 2006, 2007 e 2008, antes que a crise financeira mundial o reduzisse a cerca de 5% no ano passado.

O governo também elevou os salários dos servidores públicos, em uma tentativa de conter as reações à alta dos preços. Mas os críticos – mesmo entre os que são favoráveis à privatização do inflado setor público egípcio – argumentam que o crescimento se deu em grande parte às custas dos mais pobres, que ainda foram fortemente atingidos pela retração do mercado de trabalho, deixando cerca de 10% da população sem emprego.

Ao mesmo tempo, os preços continuam a subir a um índice superior a 12%, com as despesas de alimentação se elevando em mais de 21% em fevereiro, de acordo com a Agência Central de Estatísticas e Mobilização Pública do Egito.

Com essa inflação, mesmo o falafel de Khalaf – vendido aos manifestantes ao preço especial de 75 piastras (centavos) de libra egípcia (cerca de 25 centavos de Real) – ainda é muito caro. Os empregados dos centros de processamento de dados do país, muitos deles completando no dia 24 de março duas semanas acampados diante da Assembleia, para reivindicar reajustes salariais e benefícios, disseram ganhar apenas 99 libras egípcias (cerca de R$ 33) por mês.

“Não temos estabilidade no emprego, nem pensões”, lamentou Saeed Mungi Mustafa, que trabalha com estatísticas em um órgão público na província de Beni Suef, a 120 km ao sul do Cairo. “Estamos indo e vindo todos os dias, mas o governo não nos dá a mínima atenção”.

Tradução: Dilair Aguiar

Fonte: The National (http://www.thenational.ae/apps/pbcs.dll/article?AID=/20100326/FOREIGN/703259841/1017)

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