Canadá: Mineiros em greve rejeitam contrato da Vale por 87% dos votos

Por Jamie West

Há oito meses, os três mil trabalhadores siderúrgicos da minha seção sindical estão em greve na minas de níquel e cobre em Ontário. Nosso grito de guerra é “Acordo Justo Agora”. E não estamos blefando: a 12 de março, rejeitamos a primeira oferta que recebemos – por 87% dos votos.

A legislação trabalhista de Ontário permite ao empregador forçar uma votação durante greves; os trabalhadores recusaram o contrato da Vale por um percentual de votos ainda mais alto do que quando decidiram cruzar os braços.

A greve não estava nos planos da seção local 6500 do United Steel Workers (USW – Sindicato dos Trabalhadores Siderúrgicos). A Vale, multinacional sediada no Brasil, comprou a Inco em 2006, por cerca de US$ 19 bilhões, afirmando à época que as minas em Sudbury, a 400 km ao norte de Toronto, eram uma jóia de sua coroa. Nos dois anos seguintes, nós merecemos essa reputação. De 2006 a 2008, a Vale obteve em torno de US$ 4,2 bilhões com as operações da Inco, quase o dobro do que a antiga companhia ganhou nos dez anos precedentes.

E o que fez essa corporação multinacional para retribuir à sua força de trabalho pela produção recorde e o lucro recorde? Exigiu concessões recorde.

Em julho passado, ofereceram-nos demissões em massa, atingindo todos com menos de sete anos de serviço, a extinção de pensões definidas para novos contratados, cortes na participação nos lucros em períodos de bonança, menos postos de segurança em um local de trabalho inerentemente perigoso, eliminação dos reajustes pelo custo de vida, normas mais brandas para a terceirização, nenhuma proteção sindical para novos contratados durante seis meses e sanções mais rigorosas para o absenteísmo, ignorando a garantia canadense de dez dias remunerados anuais por motivo de doença.

TIRANDO VANTAGEM

Entre março e junho do ano passado, afundamos na mesma terrível recessão enfrentada por todos. Inicialmente, a Vale nos disse que nossos negócios estavam fortes e que deveríamos “resistir à intempérie”.

A seção 6500 ofereceu a prorrogação do contrato até a estabilização dos mercados. Adiamos por duas vezes sua data de expiração. Nossa demonstração de boa fé permitiu à Vale concluir a reconstrução de sua fundição e se preparar para a greve.

A companhia tentou se aproveitar do sentimento de medo e retrocesso depois que a Chrysler e a GM arrancaram importantes concessões dos operários automobilísticos. Antes do término do contrato, em julho, a Vale demitiu 900 trabalhadores e deixou claro que mais dispensas viriam.

Quando a paralisação começou, a Vale trouxe uma força de segurança privada para intimidar e assediar os grevistas. Oito meses depois, eles ainda estão parando seus carros diante de nossas casas, seguindo nossas mulheres até seus empregos e mandando investigadores particulares para espionar nossas assembleias sindicais.

Nos últimos meses do ano passado, a Vale anunciou que nossas minas, usina e fundição seriam reativadas com fura-greves. Nos 107 anos de mineração em Sudbury e numerosas greves, esta é a primeira vez que uma empresa tenta manter-se em funcionamento durante uma disputa trabalhista. Pior ainda, os primeiros substitutos eram funcionários administrativos e técnicos da unidade 2020 do USW obrigados a fazer nosso trabalho. Em seguida, começaram a aparecer anúncios buscando fura-greves, a US$ 5 mil por semana. A produção era porém tão lenta que os grevistas a apelidaram de operação “sem fins lucrativos”.

TRAIÇÃO

A Vale traiu toda a comunidade, não apenas os trabalhadores que lhe asseguraram lucros recorde. Instituiu um sistema de compras que exclui o comércio local. Este fato está evidenciado na loja de equipamentos industriais Donn-Marr, numa mensagem pintada com spray na vitrina: “31 anos – agora fechada – obrigado VALE”.

A empresa também se recusou a cumprir as leis contra incêndio e de zoneamento, que proíbem que trabalhadores substitutos durmam no interior de um complexo industrial.

Mas a cidade hesita em confrontar a Vale: no final de fevereiro, a companhia golpeou nosso sindicato e seus líderes com ações judiciais multimilionárias, acusando-nos de “gangsterismo”. Outras ações intimidatórias foram iniciadas contra muitos militantes de base, devido a declarações feitas em nossa página no Facebook e por ações nos piquetes (a maioria por tirar fotos dos fura-greves).

CAMPANHA GLOBAL

O United Steelworkers International, por sua vez, lançou uma ambiciosa campanha para combater a Vale onde quer que ela faça negócios. Seus membros viajaram à Coreia, Austrália, Indonésia, Nova Caledônia, Brasil, Inglaterra e cidades como Nova York para divulgar as denúncias. Grevistas e aliados sindicais seguiram um carregamento de minério produzido pelos fura-greves por todo o caminho até os clientes, na Alemanha e Suécia.

Onde quer que os executivos da Vale apareçam, o United Steelworkers e seus aliados estão presentes. De fato, chegou-se a um ponto no qual a empresa passou a cancelar eventos, para não se deparar conosco novamente.

Mas se há um ponto positivo no conflito, este é a solidariedade à seção 6500, mais forte que nunca. Além dos piquetes, temos assembleias duas vezes por semana, um banco de alimentos e um centro de donativos. Nas noites de quinta-feira, temos um encontro musical em nosso sindicato, e realizamos constantemente eventos especiais para manter o espírito elevado.

Os piquetes continuam firmes, ainda que sob forte tensão, pois não podemos impedir os fura-greves. Alguns grevistas foram trabalhar em outras cidades, mas a participação está crescendo: nossas concentrações se tornam maiores e maiores a cada mês.

Ônibus de toda a região de Ontário convergirão a Sudbury a 22 de março, quando 40 delegados de sindicatos da Vale de várias partes do mundo ligarão esta às suas próprias lutas. Se seguirá uma semana de ações globais.

O resultado de nossa greve definirá o tom para outros mineiros da Vale em todo o mundo, para os trabalhadores do setor privado no Canadá e para os servidores públicos também, já que nossos ganhos ou perdas são transferidos para outros trabalhadores. Este conhecimento nos torna ainda mais decididos a permanecermos firmes.

Jamie West é membro da seção local 6500 do USW


Tradução: Dilair Aguiar



Nenhum comentário: