Marrocos: Sindicato dos Professores combate evasão escolar

 

Conseguir que as crianças permaneçam na escola é a melhor maneira de prevenir a exploração do trabalho. O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Professores (SNE) do Marrocos, Abdelaziz Mountassir, explica nesta entrevista como um projeto desenvolvido na região de Fez permitiu reduzir o índice de evasão escolar, beneficiando ao mesmo tempo o sindicato.


O que levou o SNE a envolver-se na luta contra o trabalho infantil?

A cada ano, no Marrocos, 400 mil crianças abandonam a escola, das quais quase 250 mil no ensino fundamental, o que pode significar 250 mil famílias ignorantes, analfabetas, no futuro. Isto é uma desvantagem para o desenvolvimento, tanto econômico como democrático, do país. Nós concebemos ações para atacar esse problema como parte da cooperação entre o SNE e o Sindicato dos Docentes da Holanda (AOB). Normalmente defendemos os interesses dos professores, mas, nesta ocasião, refletimos sobre a forma de incentivar os docentes a se envolverem na luta contra o trabalho infantil.

Organizamos debates com nossos militantes da região de Fez para definir o papel que a escola pode desempenhar na luta contra o trabalho infantil. Nosso projeto partiu do compromisso com a prevenção da evasão escolar: defender o direito das crianças à educação, incentivá-las a permanecer na escola, porque uma criança que não vai à escola é uma criança exposta a trabalhar desde a mais tenra idade. Decidimos então desenvolver um projeto em cinco escolas situadas nos bairros mais pobres de Fez, onde se encontram muitas manufaturas que recorrem ao trabalho infantil.

Que ações foram desenvolvidas?

Começamos em 2004 com programas de formação para os docentes: capacitação sobre os direitos da criança, os riscos do trabalho infantil, técnicas de atenção a crianças e adultos, de acompanhamento, sobre pedagogia de apoio escolar... Também realizamos oficinas para os pais dos alunos, com o fim de informá-los sobre o direito de seus filhos à educação, sobre as consequências do trabalho infantil para sua saúde, seu futuro, etc. Foram feitas ainda atividades para os dirigentes sindicais, objetivando reforçar a capacidade organizativa, planejar iniciativas, assegurar o acompanhamento, negociar com os diretores das escolas, a administração, etc.

Também levamos a cabo ações para sensibilizar a opinião pública e fazer pressão sobre os responsáveis políticos. Estas se concretizaram por meio de postos de informação montados nas ruas de Fez, onde falamos sobre o trabalho infantil; e através de outros postos montados durante eventos como as feiras de educação e os fóruns para jovens professores. Apresentamos fotos de todas as nossas atividades, pinturas feitas pelas crianças, vídeos realizados durante diversas manifestações. Infelizmente, até hoje não conseguimos sair na televisão.

Quais ações são realizadas diretamente com as crianças?

Algumas são feitas com as crianças nas próprias escolas: atividades de expressão corporal, de pintura, teatro, música, etc. Isto transmite às crianças uma imagem diferente do estabelecimento de ensino. Duas ONGs nos estão auxiliando nessas atividades, assim como na organização de acampamentos de verão. Nos dois últimos anos, levamos cerca de 120 alunos das cinco escolas, durante duas semanas, a acampamentos de verão. Eram as crianças mais pobres, queríamos evitar que passassem todas as férias nas ruas. O objetivo era também reforçar seus vínculos com a escola e com o nosso programa.

Ao mesmo tempo, envolvemos os alunos com pequenas atividades de pesquisa, através da organização, por exemplo, de grupos de entre 15 a 20 estudantes que visitam um local onde trabalham crianças. Assim podem ver com os próprios olhos as crianças trabalhando, as condições de trabalho... e depois apresentam essas "miniinvestigações" em sala de aula.

Outro elemento importante do projeto é o fornecimento de óculos para os estudantes com deficiência visual, para que não percam a motivação em classe. Temos um acordo com o ministério da Saúde: levamos um grupo de crianças a um hospital público, o que é prioritário para controlar sua acuidade visual, e depois vamos a uma ótica, a qual nos faz um preço muito em conta por entenderem que não temos fins comerciais.


Montamos também bibliotecas nas cinco escolas do projeto. E desenvolvemos cursos de apoio escolar para as crianças que tenham avaliações relativamente baixas, visto que o mau desempenho é um dos motivos que levam os pais a decidirem tirar seus filhos da escola: como os próprios pais são ignorantes, se perguntam para que serve investir na educação; consideram que é melhor que o menino ou a menina aprenda um ofício.

Vocês colaboram com as autoridades como parte desse projeto?

Em 2004, o ministro da Educação aprovou um acordo preliminar de cooperação para este projeto, o que nos permitiu firmar parcerias com as autoridades educacionais locais de Fez. Em 2009, conseguimos implantar uma parceria entre o SNE e o ministério da Educação para incentivar outras direções regionais de ensino a colaborar na luta contra o trabalho infantil e a evasão escolar.

Um bom entendimento com as autoridades de ensino nacionais e locais é essencial para o êxito deste projeto. Ajuda-nos a convencer os diretores de escolas a nos deixarem desenvolver nossas atividades, a participarem, a reservarem um local para a criação de bibliotecas, a permitirem a presença dos professores nas oficinas de formação, etc.

O que os professores podem fazer quando um aluno deixa de ir à escola?

Uma coisa reprovável nas escolas é que elas não fazem o acompanhamento dos alunos que abandonam os estudos. O professor comunica a ausência, mas não pergunta o que motivou a criança a não ir à escola. Um dos avanços do projeto é ter sensibilizado os docentes a fazer esse acompanhamento, pois quando um aluno falta com certa frequência, corre-se o risco de que, mais dia menos dia, abandone a escola por completo. O professor deve atuar, por exemplo, através dos amigos e vizinhos da criança, pedindo para que falem com ela e lhe digam para vê-lo. Algumas vezes, a comissão criada pelo projeto em uma escola entra diretamente em contato com os pais dos alunos. Também recorremos às associações de pais de alunos, que são as mais indicadas para convencer os pais a continuarem educando os filhos na escola.


As autoridades marroquinas não interferem quando uma criança deixa de ir à escola?

A Constituição garante o direito das crianças à educação, mas as leis que deveriam promover o exercício desse direito são muito fracas. O governo jamais castigou um pai por não ter levado o filho à escola. O governo se espanta com o fato de que há mais de 600 mil crianças trabalhando na economia informal, na agricultura, etc., mas sabe perfeitamente que no Marrocos há 1,4 milhão de crianças que não vão à escola. De uma população de 30 milhões de pessoas, isso é muito grave! Não há política, não há vontade de punir, sequer aos empregadores que exploram essas crianças.

Você tem falado em mudar o enfoque pedagógico, para que se dê mais atenção aos alunos. Isso é possível, quando um professor passa 25 anos atuando da mesma maneira?

Em algumas oficinas de reflexão, menciona-se às vezes que uma parcela do fracasso escolar decorre da agressão física e moral contra as crianças, por exemplo, quando batem nela em aula. Há crianças que odeiam a escola devido às surras. Precisamos questionar os professores quanto a essas agressões, mudar os métodos de ensino nos estabelecimentos escolares. Ainda não avançamos muito para atingir esse objetivo, mas, com a experiência que estamos adquirindo, podemos consegui-lo. Ao falarmos com os professores sobre os direitos da criança, suas atitudes mudam um pouco. Ao início, quando lhes perguntamos quais são os direitos da criança, não sabem nada, porque nunca aprenderam algo a respeito. E tudo isso influencia a conduta do docente. Conheço uma professora que jogou fora a vara com que batia nos alunos, que se comporta de uma maneira diferente com os alunos mais difíceis, após participar de uma de nossas sessões para aprender a ouvir, por exemplo, a uma criança tímida. Alguns professores mudaram devido a isso, mas não todos.

Todos os membros do SNE estavam entusiasmados com esse projeto desde o início?

Tivemos de organizar oficinas de sensibilização para explicar que fazer esse trabalho era do interesse do sindicato e da educação em geral. Do contrário, jamais o teríamos conseguido. Encontramos ativistas entusiastas desde o início, mas outros disseram que não era problema deles, que tinham problemas financeiros, administrativos, que era preciso lutar para melhorar esta situação antes de se embarcar em novas batalhas. Começamos com três professores voluntários em cada escola coberta pelo projeto, mas o número tem crescido de maneira constante em todas as escolas: os professores veem que a direção se envolve, que outros docentes participam, que são obtidos resultados. Na escola de Al Quods, por exemplo, o número de crianças que abandonaram o ciclo de ensino primário caiu de 18 em 2003 a 6 em 2009. Na escola 18 de Novembro, o total tem diminuído gradativamente, de 160 em 2004 a 24 em 2007. As escolas participantes do projeto também constataram um aumento no número de matrículas.

Para o SNE, que benefícios traz esse projeto?

Em primeiro lugar, aprendemos como dirigir um projeto no âmbito dos organismos sindicais. Começamos a utilizar essas técnicas de gestão de projetos em nossa própria gestão sindical: estabelecendo estruturas, entendendo a função de um coordenador, a importância da comunicação, da sensibilização, da formação, com respeito à realização de objetivos. Tudo isso é muito importante para um sindicato.

O sindicato também ganhou novos membros, já que, nas escolas selecionadas, a maioria dos docentes se filiou ao SNE. Havia antes professores que não eram sindicalizados, alguns que eram filiados a outro sindicato. E se filiaram ao SNE porque se convenceram de que nosso trabalho tem um valor humano e sindical novo.

O sucesso do projeto levou o sindicato holandês FNV a ajudar-nos a implantá-lo em outras quatro regiões: Meknes, Marrakech, El Jadida e Larache. Vamos ter condições de mobilizar mais de 250 membros nas cinco regiões. Isso reforça o ativismo dos nossos filiados.

Também melhoramos nossa imagem: nossa ação contra o trabalho infantil é citada como exemplo, tanto nacional como internacionalmente. Somos o único sindicato que bate na porta do governo para falar do trabalho infantil. Creio que esta melhora do prestígio do nosso sindicato nos proporcionará muitos benefícios no futuro, se nosso trabalho continuar na mesma direção.

O projeto tem um impacto na sociedade em geral, entre os trabalhadores adultos?

Ainda é muito cedo. Nossas atividades começaram apenas em 2004, ainda não tivemos tempo de avaliar o impacto que possam ter tido no trabalho dos adultos. No entanto, se continuarmos assim, se formos capazes de educar outros elementos da sociedade (parlamentares, políticos locais, fiscais do trabalho, etc.), reunindo-os em prol da luta contra o trabalho infantil, isso terá também uma influencia positiva para os adultos. Entenderão que estão desempregados porque há crianças, privadas de educação, que estão ocupando seus postos de trabalho. Leva tempo, mas temos de dar ênfase ao vínculo entre o trabalho infantil e o emprego do adulto.


Entrevista realizada por Samuel Grumiau

Tradução: Dilair Aguiar



Um comentário:

josé lopes disse...

Aos trabalhadores.

Advirto aos incautos ou indecisos que ainda pensam em votar no Serra mesmo depois de todas as nossas advertências, que durante o mandato tucano de FHC, do qual José Serra foi parte importante se tentou negociar uma reforma trabalhista ampla com mudança na Constituição, principalmente do artigo 7, que define os direitos dos trabalhadores. A idéia era deixar explícito no texto constitucional que esses direitos poderiam ser objetos de negociação, ou seja, poderiam ser negociados livremente entre patrões e empregados e que esse "negociado" poderia se sobrepor ao legislado. Sendo assim, aquelas categorias com menor poder de pressão sairiam perdendo ficando sujeitas ao que os empresários quisessem oferecer durante as negociações. Nesse sentido, teríamos várias categorias de milhares de trabalhadores em situações diversas de desigualdade salarial com interferência nas questões de saúde, garantia de emprego e outras conquistas advindas da luta dos trabalhadores no passado. Os trabalhadores acabariam perdendo direitos duramente conquistados como férias de 30 dias, pagamentos de horas extras, adicional noturno, repouso semanal, remunerado, adicional de insalubridade e periculosidade, licença maternidade, paternidade e outros tantos benefícios que conquistamos com a Constituição de 88. Portanto, José Serra significa o avanço sim, mas, daquele governo do passado do desemprego, do atraso e da flexibilização das leis trabalhistas para prejuízo dos trabalhadores. Muito cuidado!